Conversas imaginárias com meu pai: cenário
O dia em que meu pai levantou uma questão de ordem, ou seja, para prosseguir o debate era necessário antes tentar definir alguns conceitos.
“O que temos para hoje, meu filho”, já foi meu pai indagando tão logo me avistou. “Fome e garganta seca”, respondi de pronto. “Para a garganta tenho um remédio de primeira, a fome pode esperar”, respondeu meu pai. Entendi a sutileza nas entrelinhas. Servi dois martelinhos com aquela pinga que ele ganhou do Papaca. Estava então montado o cenário para nossas conversas.
“Para hoje, meu filho, você tem fome de quê?”. “Para hoje, meu pai, tenho fome de… justiça social”. Ele então olhou demoradamente para a janela entreaberta. De onde estávamos, com a claridade que vinha da rua, era possível apreciar a beleza dos pessegueiros em flor. Uma imagem simbólica que jaz gravada nos lugares mais belos de minha memória.
“Mas depende do conceito de justiça, disse ele, pois para aquele antigo filósofo grego, um tal de Trasímaco*, justiça nada mais é do que a vontade do mais forte”.
Percebi que a conversa caminhava para um terreno abstrato, de novo, e prometia ser longa, então me ocorreu uma ideia: “posso servir mais 2 pila dessa sua pinga?, tá muito boa”, perguntei.
Final de outono, pessegueiros formando flores, Urubici, 8 de maio de 2020.
Charles
Fonte:
Trasímaco
https://pt.wikipedia.org/wiki/Tras%C3%ADmaco